A captura de batimentos cardíacos por um smartphone é possível graças à combinação de microfones MEMS sensíveis, propriedades físicas dos sons cardíacos e métodos de processamento digital de sinal. Com um aplicativo adequado, é possível registrar vibrações mecânicas do coração e extrair métricas como BPM (batimentos por minuto) e intervalos RR diretamente do sinal acústico.
1) O que são os sons cardíacos?
Os sons cardíacos são eventos mecânicos gerados pelo movimento das válvulas e pela vibração das paredes cardíacas, transmitidos através do tecido torácico até a pele.
Componentes principais:
| Evento | Descrição | Frequência típica |
|---|---|---|
| S1 | Fechamento das válvulas mitral e tricúspide | ≈ 50–150 Hz |
| S2 | Fechamento das válvulas aórtica e pulmonar | ≈ 50–200 Hz |
Esses sons têm energia concentrada em baixas frequências (principalmente 20–200 Hz), uma característica que os torna capturáveis por microfones de dispositivos móveis. PMC+1
A imagem abaixo mostra o sinal PCG incluindo sons cardíacos (S1, S2, S3, S4) [1,2]. Duração média dos sons cardíacos medida: S1: [70–150] ms, S2: [60–120] ms, S3: [40–100] ms e S4: [40–80] ms. Período do ciclo cardíaco: 800 ms, período sistólico: 300 ms, período diastólico: 500 ms. Faixas de frequência: S1: [50–150] Hz, S2: [50–200] Hz, S3: [50–90] Hz, S4: [50–80] Hz.
O S3 ocorre de 120 ms a 180 ms após o início do S2. O S4 ocorre 90 ms antes do S1. A faixa de frequência dos sopros é de 200–600 Hz.

É importante destacar que as formas de onda dos sons cardíacos podem variar significativamente conforme a condição fisiológica ou patológica do coração. Como ilustrado na imagem, um coração normal apresenta sons S1 e S2 bem definidos e separados por períodos relativamente silenciosos de sístole e diástole, enquanto alterações como estenose aórtica, insuficiência mitral ou persistência do ducto arterioso introduzem sopros — padrões acústicos mais prolongados e turbulentos que modificam a morfologia do sinal. Essas diferenças de forma de onda não representam apenas variações de volume, mas mudanças reais na estrutura temporal e espectral do sinal, o que explica por que algoritmos de processamento de sinal conseguem distinguir padrões distintos a partir da fonocardiografia.

2) Por que o microfone do smartphone consegue capturar isso?
🔊 Microfones MEMS
- Os smartphones modernos usam microfones MEMS (Micro-Electro-Mechanical Systems), projetados para captar som com boa sensibilidade e baixa distorção.
- Eles funcionam bem na faixa de frequências onde os sons cardíacos estão presentes (≈20 Hz a vários kHz), garantindo que os eventos mecânicos do coração sejam registrados com suficiente fidelidade. PMC
📍 Posicionamento
Colocar o telefone em contato firme com o tórax, geralmente próximo às áreas tradicionais de ausculta (perto do lado esquerdo do peito), ajuda a aumentar a energia do sinal cardíaco em relação ao ruído ambiente.
3) Do sinal cru ao batimento cardíaco detectado
O processo pode ser dividido em etapas:
🧾 3.1. Aquisição do sinal
O smartphone grava o som ambiente em uma taxa de amostragem típica (por ex., 44,1 kHz ou 48 kHz), capturando pressão sonora ao longo do tempo.
🧠 3.2. Processamento digital
A seguir, técnicas de DSP (Digital Signal Processing) são aplicadas:
1) Filtragem passa-banda
Um filtro digital isola a faixa 20–200 Hz, que contém a maior parte da energia dos sons cardíacos e reduz ruídos graves (movimento, respiração) e agudos irrelevantes (fala, vento).
→ Essa faixa foi demonstrada ser suficiente para registrar S1 e S2 com boa qualidade. PMC
2) Extração de envelope/normalização
Transforma o sinal filtrado em uma representação mais suave que destaca picos rítmicos — essencial para detectar eventos regulares do coração, mesmo quando o sinal é fraco.
3) Detecção de picos
Um algoritmo identifica picos regulares no envelope que correspondem aos sons cardíacos (eventos S1, S2). Técnicas comuns incluem:
- Threshold adaptativo
- Período refratário (para evitar múltiplas detecções no mesmo ciclo)
- Análise de subida/queda dos picos
A partir dos tempos desses picos, é possível calcular intervalos entre batimentos (RR) e a frequência cardíaca (BPM). PMC
4) Desafios e fatores que influenciam a qualidade
📊 Principais variáveis
- Posicionamento do smartphone: uma posição instável ou não otimizada reduz a qualidade do sinal.
- Ruído ambiente: conversas, tráfego e vibrações mecânicas podem mascarar os sons cardíacos.
- Respiração e movimento: interferem no sinal acústico.
- Hardware do telefone: diferentes microfones e filtros internos produzem qualidade de gravação variável. PMC
5) Limitações importantes
Apesar de ser uma técnica promissora para monitoramento básico, não substitui métodos clínicos como ECG (eletrocardiograma):
❌ O som por si só não oferece segmentação detalhada de eventos elétricos do coração (como ondas P, QRS ou T).
❌ Não é amplamente validado para diagnóstico médico.
❌ Menos preciso em ambientes ruidosos ou com usuários inexperientes. PMC
6) Validação científica
Vários estudos demonstram que:
- Usuários sem formação médica conseguem registrar sons cardíacos de boa qualidade com smartphones. Cerca de ~75–80% das gravações têm qualidade suficiente para análise básica. PMC
- Estudos clínicos demonstraram a viabilidade de registrar sons cardíacos e aplicar algoritmos automáticos para classificações simples quando há controle de ruído e boa técnica de gravação. PMC
- Apps como Echoes mostraram que milhares de gravações de usuários podem ser boas o bastante para monitoramento básico. King’s College Londres
7) Conclusão — por que isso funciona
Um smartphone consegue “ouvir” batimentos cardíacos porque:
🔹 O microfone captará vibrações mecânicas transmitidas pelo tórax
🔹 O sinal contém energia em frequências que o microfone pode registrar
🔹 Filtragem e processamento digital revelam padrões rítmicos coerentes com os batimentos cardíacos
🔹 Isso permite extrair métricas como BPM e intervalos RR com precisão razoável para uso de monitoramento pessoal.


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