
A fonocardiografia digital voltou a ser discutida nos últimos anos — e, com os microfones atuais, a pergunta é simples: um smartphone consegue extrair intervalos RR apenas pelo som do coração?
Este artigo apresenta, de forma objetiva e científica, como essa tecnologia funciona dentro do aplicativo Cardiomic, quais são suas limitações e o que já é possível medir.
1. Introdução
A análise acústica do coração (fonocardiograma, ou PCG) é estudada desde o século XX como método para registrar eventos mecânicos associados aos sons cardíacos S1 e S2.

Com a evolução dos microfones MEMS em smartphones modernos, tornou-se factível capturar vibrações de baixa frequência (20–200 Hz) suficientes para identificar esses eventos e calcular intervalos RR, métrica amplamente usada em estudos de frequência cardíaca e variabilidade.
O objetivo deste texto é documentar o método científico utilizado no Cardiomic.
2. Fundamentos do Sinal Acústico Cardíaco
Os componentes principais do PCG são:
- S1 — fechamento das válvulas atrioventriculares
- S2 — fechamento das válvulas semilunares
Ambos apresentam energia nas faixas de 20 a 150 Hz.
A literatura demonstra correlação entre eventos S1–S1 (ou S2–S2) e o intervalo RR, embora a qualidade dependa de ruído, posicionamento e características do microfone.
3. Pipeline de Processamento Utilizado no Cardiomic
A implementação do Cardiomic segue quatro etapas técnicas principais.
3.1. Captura do sinal
- Microfone interno do smartphone ( é possível escolher o microfone se tiver mais de um como no caso do bluetooth)
- Taxa de amostragem do áudio
- Gravação contínua em buffers sequenciais
3.2. Pré-processamento
- Filtragem do áudio
- Normalização por amplitude
- Suavização com janela móvel
- Cálculo simplificado de envelope (abs + smoothing)
3.3. Detecção de eventos cardíacos
- Threshold adaptativo
- Refratário mínimo ≈100 ms
- Comparação incremental por amplitude
- Armazenamento de timestamps em milissegundos
Nenhuma classificação S1/S2 é realizada; os eventos são tratados apenas como picos acústicos válidos.
3.4. Cálculo dos intervalos RR
- RR = Δt entre picos consecutivos
- BPM = 60000 / RR
- Rejeição de artefatos fora de limites fisiológicos
- Registro persistente para replay posterior
4. Observações Obtidas nos Testes
Baseado em testes internos:
- É possível registrar forma de onda estável apoiando o smartphone sobre o tórax.
- Smartphones recentes produzem sinais com amplitude suficiente para análise.
- Os intervalos RR calculados apresentam estabilidade consistente para propósitos de observação e biofeedback.
- Ruído ambiental, respiração e pressão sobre o microfone são os principais fatores que afetam a precisão.
Ainda não há comparação formal com ECG dentro do app.
5. Limitações Técnicas
Este tipo de medição apresenta limitações inerentes:
- Sensibilidade a ruídos externos
- Depêndencia da posição exata no tórax
- Ausência de segmentação S1/S2
- Menor precisão em relação ao ECG
- Não realiza diagnóstico médico
- Não identifica sopros nem padrões clínicos
O sistema é adequado para exploração, ensino e acompanhamento básico — não para avaliação clínica.
6. Aplicações Possíveis Baseadas em Literatura Científica
A fonocardiografia digital é utilizada em:
- estudos acadêmicos de variabilidade cardíaca
- ensino de sinais vitais
- pesquisa em telemonitoramento
- biofeedback acústico
- sincronização cardiorrespiratória
O Cardiomic implementa apenas a parte fundamental: captura acústica + RR.
7. Conclusão
Com microfones modernos e filtragem adequada, smartphones são capazes de registrar sinais cardíacos acústicos suficientes para estimar intervalos RR.
O Cardiomic demonstra essa viabilidade com um pipeline simples, baseado em princípios consolidados da fonocardiografia digital.


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